
síndrome
(grego sundrome, -es, reunião)
s. f.
1. Med. Conjunto de sintomas que caracterizam uma doença.
Em Listra estava sentado um homem aleijado dos pés, coxo de nascença e que nunca tinha andado. Este ouvia falar Paulo, que, fitando nele os olhos e vendo que tinha fé para ser curado, disse em alta voz: Levanta-te direito sobre os teus pés. E ele saltou, e andava. As multidões, vendo o que Paulo fizera, levantaram a voz, dizendo em língua licaônica: Fizeram-se os deuses semelhantes aos homens e desceram até nós. A Barnabé chamavam Júpiter e a Paulo, Mercúrio, porque era ele o que dirigia a palavra. O sacerdote de Júpiter, cujo templo estava em frente da cidade, trouxe para as portas touros e grinaldas e, juntamente com as multidões, queria oferecer-lhes sacrifícios. Quando, porém, os apóstolos Barnabé e Paulo ouviram isto, rasgaram as suas vestes e saltaram para o meio da multidão, clamando e dizendo: Senhores, por que fazeis estas coisas? Nós também somos homens, de natureza semelhante à vossa, e vos anunciamos o evangelho para que destas práticas vãs vos convertais ao Deus vivo, que fez o céu, a terra, o mar, e tudo quanto há neles; o qual nos tempos passados permitiu que todas as nações andassem nos seus próprios caminhos. Contudo não deixou de dar testemunho de si mesmo, fazendo o bem, dando-vos chuvas do céu e estações frutíferas, enchendo-vos de mantimento, e de alegria os vossos corações. E dizendo isto, com dificuldade impediram as multidões de lhes oferecerem sacrifícios. (Atos dos Apóstolos, cap. 14, vs 8-18 – ARA)
Vivemos tempos difíceis para a Igreja de Cristo. A Igreja já enfrentou períodos turbulentos antes desses e provavelmente os enfrentará depois. O que torna a época em que vivemos um período especialmente turbulento e potencialmente devastador é a forma como o cristianismo é apresentado, explorado e difundido em nossa sociedade. A Igreja já experimentou a estagnação sob o estigma Católico Apostólico Romano que amarrou o cristianismo a seus dogmas e ritos, obrigando todos quantos criam (e os que não criam também) a reverenciar e obedecer à entidade eclesiástica no lugar de Jesus. Ela já experimentou e profissionalizou sua militarização na época das Cruzadas e prestou-se ao papel de tribunal terreno na época da Inquisição. Teve sua reforma ensaiada e sufocada várias vezes. Se viu às voltas com oportunistas e genocidas durante e após a Reforma Protestante. Não somente apoiou como incentivou o tráfico de escravos e as colonizações genocidas das grandes potências européias na India, África, Oceania e nas Américas do Norte, Central e do Sul. Foi conivente com ideais segregacionistas, tais como os Nazistas, Klu Klux Kan e também com processos obscuros da ditadura aqui no Brasil. Na verdade temos um cristianismo erguido e sustentado por muito mais mártires do que os que vemos expostos em livros como “Heróis da Fé”. Temos um cristianismo construído pelo sangue de milhares e milhares de inocentes. Mas esse cristianismo que não é, e jamais foi, o cristianismo de qualquer um dos evangelhos ou epístolas; esse cristianismo que se ergueu da astúcia política de seus idealizadores utilizando-se de ações maquiavélicas para se solidificar, encontra-se hoje tão ou mais maculado do que jamais esteve em toda a sua história.
A ameaça que desta vez paira sobre o cristianismo é uma das piores que ele jamais enfrentou: a extrema e completa vulgarização de seus ideais, conceitos e doutrinas. Vivemos na era das grandes corporações eclesiásticas protestantes. Na era dos super pregadores; conferencistas de todas as formas e tamanhos, para todos os gostos e gêneros. Na era da tão famosa, controversa e condenada - mas empregada largamente – teologia da prosperidade. O cristianismo protestante atual encontra-se encurralado e ameaçado. Tomado de refém por agenciadores escusos, o protestantismo, que veio séculos atrás com a promessa redentora de libertar o cristianismo das amarras seculares e catapultá-lo definitivamente para as esferas espirituais, definha, cativo, da ganância desmesurada de lobos em pele de ovelha.
O teor que está na origem dos escândalos de outrora e os de hoje é o mesmo: ganância, egoísmo, sede pelo poder e afins. O grande diferencial entre eles é que hoje vivemos numa época em que (graças a Deus!) experimentamos a liberdade de expressão e temos potencializado os efeitos que tais escândalos surtem pela facilidade e rapidez com a qual a notícia se propaga na era digital. A liberdade de expressão nos permite “colocar a boca no trombone”, ou seja: duvidar, questionar, inquirir por respostas e quando não satisfeitos por estas, protestar; em alto e bom som, utilizando dos meios disponíveis e legais para tanto. A internet nos permite acompanhar em tempo real as notícias e auxilia na interação de pessoas que comungam de uma mesma linha de pensamento. Esses fatores, incitados através de denúncias, escancaram as portas dos bastidores eclesiásticos e nos apresentam a realidade por trás da realidade difundida e estabelecida como verdade pelos manipuladores da fé.
Em Listra, Paulo e Barnabé foram vítimas de culto de adoração. A multidão se extasiou diante do milagre realizado através da vida de Paulo e imediatamente os tomaram por deuses. Touros foram trazidos pelo sacerdote de Júpiter e a multidão ansiava por lhes oferecer em sacrifício. Oras, foi com grande dificuldade que Paulo e Barnabé impediram a multidão de lhes oferecerem sacrifícios, irritando-se e rasgando suas vestes, discursaram e conseguiram demovê-los de suas intenções, testemunhando a respeito de Deus não somente com seus atos e palavras, mas através de seu irrevogável caráter cristão que os impedia de receberem para si uma glória que era devida a Deus.
Atitudes como a de Paulo e Barnabé em Listra deveriam – e a deles, como todas as demais no Novo Testamento (e também no Antigo), foi registrada com esse intuito – servir de exemplo a cristãos de todas as épocas, fugindo da idolatria e não se rendendo a egolatria, conservando assim, intactos, valores que são tão caros a ideologia cristã. Deveriam, mas não servem. Com suas consciências obnubiladas pela ganância e sede de poder, líderes evangélicos, conferencistas de renome, ministérios de louvor e outros profissionais da fé, deixam-se seduzir pela adoração perpetrada pelos fiéis. Ovacionados, imitados, regiamente remunerados pelo trabalho que realizam; descaracterizam-se gradativamente como cristãos, adquirindo posturas e atitudes que se distanciam proporcionalmente da ética e da postura cristã à medida que obtém reconhecimento e, consequentemente, sucesso em seus ministérios. Ao invés de adotar postura semelhante à de Paulo e Barnabé que repudiaram a idolatria direcionada a eles, não somente passam a aceitá-la como incentivá-la. Utilizam-se de sua fama para propagar doutrinas sem embasamento bíblico – vulgarmente conhecidas como “heresias” – com o singelo intuito de arrecadar cada vez mais e mais recursos financeiros e propagandear virtudes irreais e inalcançáveis ao ser humano, colocando-os sobre verdadeiros “pedestais espirituais”, o que lhes concede uma suposta e incontestável “autoridade”. São detentores das mais variadas verdades e autoridade máxima em assuntos de qualquer ordem onde detém, inquestionavelmente, a palavra final.
E é nisso que se constituí essa síndrome, a Síndrome de Listra que ganha corpo e força no cristianismo moderno. Sintomática, evidencia a inevitável putrefação de um corpo estranho no meio do Corpo. Avassaladora, varre de seu caminho todo bom senso e esperança salutar deixando como rastro alienação, delírio e uma esperança ilusória depositada em elementos efêmeros. O histrionismo de tais farsantes infecta a vida espiritual e alastra-se como um câncer, repercutindo negativamente no caráter de nossos cristãos. E diante de tantos exemplos negativos sustentados por atitudes inconseqüentes e nefastas diante da Palavra só nos resta, como não poderia deixar de ser, olhar para os exemplos bíblicos e resistir ao maligno, que assim fugirá de nós.
David Quartieri