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sábado, 27 de março de 2010

A Síndrome de Listra


síndrome
(grego sundrome, -es, reunião)
s. f.
1. Med. Conjunto de sintomas que caracterizam uma doença.

Em Listra estava sentado um homem aleijado dos pés, coxo de nascença e que nunca tinha andado. Este ouvia falar Paulo, que, fitando nele os olhos e vendo que tinha fé para ser curado, disse em alta voz: Levanta-te direito sobre os teus pés. E ele saltou, e andava. As multidões, vendo o que Paulo fizera, levantaram a voz, dizendo em língua licaônica: Fizeram-se os deuses semelhantes aos homens e desceram até nós. A Barnabé chamavam Júpiter e a Paulo, Mercúrio, porque era ele o que dirigia a palavra. O sacerdote de Júpiter, cujo templo estava em frente da cidade, trouxe para as portas touros e grinaldas e, juntamente com as multidões, queria oferecer-lhes sacrifícios. Quando, porém, os apóstolos Barnabé e Paulo ouviram isto, rasgaram as suas vestes e saltaram para o meio da multidão, clamando e dizendo: Senhores, por que fazeis estas coisas? Nós também somos homens, de natureza semelhante à vossa, e vos anunciamos o evangelho para que destas práticas vãs vos convertais ao Deus vivo, que fez o céu, a terra, o mar, e tudo quanto há neles; o qual nos tempos passados permitiu que todas as nações andassem nos seus próprios caminhos. Contudo não deixou de dar testemunho de si mesmo, fazendo o bem, dando-vos chuvas do céu e estações frutíferas, enchendo-vos de mantimento, e de alegria os vossos corações. E dizendo isto, com dificuldade impediram as multidões de lhes oferecerem sacrifícios.
(Atos dos Apóstolos, cap. 14, vs 8-18 – ARA)

Vivemos tempos difíceis para a Igreja de Cristo. A Igreja já enfrentou períodos turbulentos antes desses e provavelmente os enfrentará depois. O que torna a época em que vivemos um período especialmente turbulento e potencialmente devastador é a forma como o cristianismo é apresentado, explorado e difundido em nossa sociedade. A Igreja já experimentou a estagnação sob o estigma Católico Apostólico Romano que amarrou o cristianismo a seus dogmas e ritos, obrigando todos quantos criam (e os que não criam também) a reverenciar e obedecer à entidade eclesiástica no lugar de Jesus. Ela já experimentou e profissionalizou sua militarização na época das Cruzadas e prestou-se ao papel de tribunal terreno na época da Inquisição. Teve sua reforma ensaiada e sufocada várias vezes. Se viu às voltas com oportunistas e genocidas durante e após a Reforma Protestante. Não somente apoiou como incentivou o tráfico de escravos e as colonizações genocidas das grandes potências européias na India, África, Oceania e nas Américas do Norte, Central e do Sul. Foi conivente com ideais segregacionistas, tais como os Nazistas, Klu Klux Kan e também com processos obscuros da ditadura aqui no Brasil. Na verdade temos um cristianismo erguido e sustentado por muito mais mártires do que os que vemos expostos em livros como “Heróis da Fé”. Temos um cristianismo construído pelo sangue de milhares e milhares de inocentes. Mas esse cristianismo que não é, e jamais foi, o cristianismo de qualquer um dos evangelhos ou epístolas; esse cristianismo que se ergueu da astúcia política de seus idealizadores utilizando-se de ações maquiavélicas para se solidificar, encontra-se hoje tão ou mais maculado do que jamais esteve em toda a sua história.
A ameaça que desta vez paira sobre o cristianismo é uma das piores que ele jamais enfrentou: a extrema e completa vulgarização de seus ideais, conceitos e doutrinas. Vivemos na era das grandes corporações eclesiásticas protestantes. Na era dos super pregadores; conferencistas de todas as formas e tamanhos, para todos os gostos e gêneros. Na era da tão famosa, controversa e condenada - mas empregada largamente – teologia da prosperidade. O cristianismo protestante atual encontra-se encurralado e ameaçado. Tomado de refém por agenciadores escusos, o protestantismo, que veio séculos atrás com a promessa redentora de libertar o cristianismo das amarras seculares e catapultá-lo definitivamente para as esferas espirituais, definha, cativo, da ganância desmesurada de lobos em pele de ovelha.
O teor que está na origem dos escândalos de outrora e os de hoje é o mesmo: ganância, egoísmo, sede pelo poder e afins. O grande diferencial entre eles é que hoje vivemos numa época em que (graças a Deus!) experimentamos a liberdade de expressão e temos potencializado os efeitos que tais escândalos surtem pela facilidade e rapidez com a qual a notícia se propaga na era digital. A liberdade de expressão nos permite “colocar a boca no trombone”, ou seja: duvidar, questionar, inquirir por respostas e quando não satisfeitos por estas, protestar; em alto e bom som, utilizando dos meios disponíveis e legais para tanto. A internet nos permite acompanhar em tempo real as notícias e auxilia na interação de pessoas que comungam de uma mesma linha de pensamento. Esses fatores, incitados através de denúncias, escancaram as portas dos bastidores eclesiásticos e nos apresentam a realidade por trás da realidade difundida e estabelecida como verdade pelos manipuladores da fé.
Em Listra, Paulo e Barnabé foram vítimas de culto de adoração. A multidão se extasiou diante do milagre realizado através da vida de Paulo e imediatamente os tomaram por deuses. Touros foram trazidos pelo sacerdote de Júpiter e a multidão ansiava por lhes oferecer em sacrifício. Oras, foi com grande dificuldade que Paulo e Barnabé impediram a multidão de lhes oferecerem sacrifícios, irritando-se e rasgando suas vestes, discursaram e conseguiram demovê-los de suas intenções, testemunhando a respeito de Deus não somente com seus atos e palavras, mas através de seu irrevogável caráter cristão que os impedia de receberem para si uma glória que era devida a Deus.
Atitudes como a de Paulo e Barnabé em Listra deveriam – e a deles, como todas as demais no Novo Testamento (e também no Antigo), foi registrada com esse intuito – servir de exemplo a cristãos de todas as épocas, fugindo da idolatria e não se rendendo a egolatria, conservando assim, intactos, valores que são tão caros a ideologia cristã. Deveriam, mas não servem. Com suas consciências obnubiladas pela ganância e sede de poder, líderes evangélicos, conferencistas de renome, ministérios de louvor e outros profissionais da fé, deixam-se seduzir pela adoração perpetrada pelos fiéis. Ovacionados, imitados, regiamente remunerados pelo trabalho que realizam; descaracterizam-se gradativamente como cristãos, adquirindo posturas e atitudes que se distanciam proporcionalmente da ética e da postura cristã à medida que obtém reconhecimento e, consequentemente, sucesso em seus ministérios. Ao invés de adotar postura semelhante à de Paulo e Barnabé que repudiaram a idolatria direcionada a eles, não somente passam a aceitá-la como incentivá-la. Utilizam-se de sua fama para propagar doutrinas sem embasamento bíblico – vulgarmente conhecidas como “heresias” – com o singelo intuito de arrecadar cada vez mais e mais recursos financeiros e propagandear virtudes irreais e inalcançáveis ao ser humano, colocando-os sobre verdadeiros “pedestais espirituais”, o que lhes concede uma suposta e incontestável “autoridade”. São detentores das mais variadas verdades e autoridade máxima em assuntos de qualquer ordem onde detém, inquestionavelmente, a palavra final.
E é nisso que se constituí essa síndrome, a Síndrome de Listra que ganha corpo e força no cristianismo moderno. Sintomática, evidencia a inevitável putrefação de um corpo estranho no meio do Corpo. Avassaladora, varre de seu caminho todo bom senso e esperança salutar deixando como rastro alienação, delírio e uma esperança ilusória depositada em elementos efêmeros. O histrionismo de tais farsantes infecta a vida espiritual e alastra-se como um câncer, repercutindo negativamente no caráter de nossos cristãos. E diante de tantos exemplos negativos sustentados por atitudes inconseqüentes e nefastas diante da Palavra só nos resta, como não poderia deixar de ser, olhar para os exemplos bíblicos e resistir ao maligno, que assim fugirá de nós.

David Quartieri

5 comentários:

João Paulo Fernandes disse...

Olá David

Desculpa a demora em respondê-lo. Confesso que ando muito aterefado, mas é sempre um prazer em responder nossos amigos e diletos leitores.Já estou seguindo seu blog e espero em breve avaliar o conteúdo e expôr minha opinião. Incialmente gostei da diagramação, continue lutando pelas causas do reino. Grande abraço!

NADA ALÉM DA VERDADE disse...

Sem problemas, sei como é a vida... quando puder, comente sim. Todas as críticas são bem vindas.
Abraço!

Hugo disse...

Diante de tantos abusos na Igreja, este texto soa como uma doce poesia ao bom senso. Continue postando, David.

SEUCAMI disse...

Eliseu Camilo

O Artigo, com A maiúsculo, faz uma rápida radiografia do que é o Cristianismo odierno.Como resultado positivo, nos é mostrado qual e o procedimento correto do verdadeiro cristão, e deixa-nos a esperânça que ainda há aqueles que não querem NADA ALÉ DA VERDADE.

Fernando Cunha disse...

Bravo, mano David! Continuas a ser como que uma "voz no deserto"! O teu artigo é brilhante, como aliás tudo aquilo a que nos habituaste!

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